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sexta-feira, 18 de maio de 2007

Investigadoras portuguesas esclarecem mistério biológico com mais de um século

Daniel Rocha/PÚBLICO

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17.05.2007 - 19h18 Teresa Firmino

Quase todas as células humanas têm uma espécie de torre de controlo, como nos aeroportos. Pouco antes de se dividirem, têm de fazer uma segunda torre de controlo para a nova célula. Até agora, pensava-se que a torre velha tinha de servir de molde para a nova. A equipa de Mónica Bettencourt Dias, do Instituto Gulbenkian de Ciências, em Oeiras, descobriu que, afinal, essa construção faz-se a partir do nada — um avanço científico a publicar na revista "Science", que pode dar pistas sobre o cancro e a infertilidade masculina.

As torres de controlo das células, a metáfora de Mónica Bettencourt Dias para designar os centrossomas, foram descobertas no século XIX. Alexander Fleming, o descobridor da penicilina, foi o primeiro a ver estas estruturas minúsculas da célula — ao microscópio, porque têm cerca de 0,5 mícrons (a espessura de um cabelo humano é entre 50 e 100 mícrons). Mas foi o biólogo alemão Theodor Boveri quem percebeu, em 1888, o papel destas estruturas. Considerou-as o órgão especial da divisão das células e levantou a hipótese de que podiam estar envolvidas no cancro, que se caracteriza por uma multiplicação anormal das células.

De facto, os centrossomas regulam a divisão das células. Nessa altura, as células têm de criar tudo em duplicado (embora se descobrisse, em 2001, que certas células se dividem sem precisar de centrossomas). Depois, é como se entre os dois centrossomas (um para cada célula filha) existisse uma corda e cada um puxasse para seu lado os cromossomas.

Os centrossomas também são cruciais para a forma que a célula irá ter: "É uma estrutura muito importante para formar o esqueleto celular, seja a cauda de um espermatozóide ou a estrutura de qualquer uma das nossas células, que é regulada pelos centrossomas", explica Mónica Bettencourt Dias.

A equipa da investigadora portuguesa encontrou a resposta para a pergunta que anda na cabeça dos biólogos desde o século XIX: como é que se forma o centrossoma? “Pensava-se que esta estrutura, que já estava na célula, servia de molde para o novo centrossoma. Mas não é assim”, diz Mónica Bettencourt Dias. "Basta ter as 'plantas' da torre de controlo. Não é preciso ter um molde, por isso esta estrutura é mais fácil de se formar do que se pensava."

A planta de construção a que a investigadora se refere é uma molécula, a proteína SAK. E a prova de que ela permite efectivamente a formação dos centrossomas de raiz está nas experiências efectuadas pela equipa em ovócitos de moscas-do-vinagre. Os ovócitos não possuem centrossoma (são os espermatozóides que os fornecem, na altura da fertilização): No entanto, explica a investigadora, "quando introduzimos a proteína SAK nos ovócitos, ficaram cheios de centrossomas".

Além de esclarecer um mistério biológico a um nível muito básico, este avanço pode revelar-se importante para combater o cancro e a infertilidade masculina.

Nas células cancerosas, há centrossomas a mais, cada um a puxar para seu lado. "Quando puxam, pode acontecer que cada célula filha não herde exactamente o mesmo material genético." Por exemplo, podem ocorrer alterações em genes com a função de evitar o aparecimento de tumores. "Se calhar, no cancro o excesso da proteína SAK leva a um aumento do número de centrossomas. Não sabemos, é uma hipótese", diz a cientista.

Talvez esta molécula possa ser usada no diagnóstico do cancro e, a longo prazo, como alvo de tratamentos.

Nos espermatozóides, a ausência desta molécula conduz à ausência ou malformação do centrossoma. O espermatozóide é assim incapaz de se deslocar até ao ovócito.

Ana Rodrigues Martins, de 25 anos, é a primeira autora do artigo a publicar amanhã. Começou a fazer o doutoramento na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, orientada aí por Mónica Bettencourt Dias e David Glover, outro dos autores, a par de cientistas italianos da Universidade de Siena.

"Estou muito contente", diz apenas Mónica Bettencourt Dias, de 33 anos, que veio para Portugal em 2006, depois de cinco anos em Cambridge.

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