Lic de Biologia no ISA

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sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Análise de estruturação populacional numa escala local de organismos marinhos com elevadas capacidades de dispersão (Delphinus delphis; Tursiops trunc

Análise de estruturação populacional numa escala local de organismos marinhos com elevadas capacidades de dispersão (Delphinus delphis; Tursiops truncatus), através de uma abordagem multilocus

O facto da costa portuguesa se situar num gradiente ambiental e de alguns dos delfinídeos que aqui ocorrem possuírem elevada diversidade genética, tornam-na ideal para o estudo da especiação de organismos marinhos com elevada capacidade de dispersão.

André Moura – CIBIO, Universidade do Porto


Introdução

Em biologia evolutiva, poucos assuntos têm despertado tanta controvérsia como a especiação, ou seja o mecanismo que promove a origem de novas espécies. Existe actualmente um consenso geral em que para haver especiação, o fluxo genético entre duas populações terá que ser impedido por uma barreira externa, para que estas possam então tomar percursos evolutivos distintos. Esta barreira pode ser um obstáculo físico à dispersão ou uma mancha de habitat desfavorável na qual o organismo tem menor probabilidade de sobrevivência. Este mecanismo de especiação é conhecido como alopátrico (Futuyma, 1998). Em alternativa, vários autores têm proposto modelos de especiação que não exigem a existência de uma barreira externa que impeça o fluxo genético entre duas populações, chamados de mecanismos simpátricos (Via, 2001; Schluter, 2001). Apesar de serem possíveis em teoria, existem ainda poucos casos bem estudados na natureza (Schluter, 2001).

Muitos organismos marinhos têm grandes capacidades de dispersão e distribuições geográficas extensas, o que torna bastante difícil o aparecimento de barreiras externas à sua dispersão (Palumbi, 1994; Jackson e Cheetham, 1999). Os cetáceos são, neste sentido, bons modelos de estudo. Dentro dos cetáceos, os golfinhos (família Delphinidae) são o grupo mais diversificado com cerca de 35 espécies diferentes, extremamente variáveis em tamanho (desde o género Cephalorhynchus cujo tamanho ronda os 1,5 m de comprimento até à orca que pode atingir os 9 m) e ocupando tanto regiões polares como tropicais (Folkens et al., 2002; Hoelzel, 2002). Este grupo originou-se a partir de um ancestral comum há cerca de 10 milhões de anos, tendo a sua diversificação sido bastante rápida, o que torna bastante difícil determinar com exactidão as relações filogenéticas dentro do mesmo (LeDuc et al., 1999). Como tal, apesar de serem animais pouco sensíveis a mecanismos de especiação alopátrica, têm sido bastante prolíficos na origem de novas espécies. Como tal, os delfinídeos podem ajudar a perceber se os mecanismos de especiação simpátrica existem e como actuam na natureza.
Espécies de Estudo (Delphinus delphis e Tursiops truncatus)

O golfinho-comum (Delphinus delphis) e o roaz-corvineiro (Tursiops truncatus) são espécies filogeneticamente próximas (LeDuc et al., 1999), e que apresentam características importantes para este estudo. Ambos têm distribuições geográficas amplas (Figura 1 e 2), pelo que conseguem sobreviver numa grande variedade de ambientes. Ao contrário do que seria de esperar numa espécie com grandes capacidades de dispersão, têm uma elevada variabilidade morfológica e genética ao longo da sua distribuição.

A variabilidade morfológica do golfinho-comum é tão grande que alguns autores sugerem a existência de 3 morfotipos diferentes, um de bico-curto e dois de bico-comprido (Figura 1). De forma geral, é aceite que a forma de bico curto e as formas de bico comprido constituem duas espécies diferentes (Delphinus delphis e Delphinus capensis, respectivamente), no entanto análises genéticas têm questionado esta distinção (Natoli et al., 2006). É também considerada a existência de um morfotipo distinto de bico-comprido com uma distribuição mais restrita, e proposto por alguns autores como sendo também uma espécie diferente (Delphinus tropicalis) (Figura 1). Em termos genéticos, é possível identificar diferentes populações no Atlântico Norte cujos níveis de variabilidade genética são elevados, mas que se encontram bem diferenciadas entre si (Natoli et al., 2006).
Figura 1. A) Delphinus delphis fotografado ao largo de Lagos, Algarve; B) Distribuição mundial das três formas de golfinho-comum (Folkens et al., 2002). NOTA: o estatuto taxonómico dos três morfotipos é ainda alvo de discussão. Neste mapa, é-lhes dada a designação específica apenas para facilitar a compreensão das suas distribuições.

A variação genética do roaz-corvineiro no Atlântico Norte está também bastante estruturada, sendo possível diferenciar populações oceânicas de diferentes populações costeiras (Hoelzel et al., 1998). A nível europeu, a costa portuguesa encontra-se na zona onde esta espécie tem maior variabilidade genética (Natoli et al., 2005). São também bastante variáveis em termos morfológicos, sendo algumas populações do Índico e do Pacífico consideradas como uma espécie diferente (Tursiops aduncus) (Figura 2).
Figura 2. A) Tursiops truncatus fotografado ao largo de Ponta Delgada, Açores; B) Distribuição mundial das duas espécies de roaz-corvineiro (Folkens et al., 2002)

Como tal, apesar de estas espécies terem uma grande capacidade de dispersão, parecem não o estar a fazer. Da mesma forma, apesar de não existir nenhuma barreira óbvia que impeça a sua deslocação entre diferentes populações, isso parece ser suficientemente raro, de tal forma que diferentes unidades populacionais se estão a diferenciar.


Investigação Proposta

Este projecto irá analisar padrões de variação genética para as espécies referidas ao longo da nossa costa, comparando-os com populações do resto da Europa, Atlântico Norte e Norte de África. Será feita uma amostragem detalhada ao longo da costa, através de um sistema de recolha de biópsias de animais selvagens desenvolvido especificamente para pequenos cetáceos (Krützen et al., 2002). Consiste na utilização de uma espingarda de ar compirmido modificada para diparar pequenos dardos que, ao embaterem no corpo do animal recolhem um pequeno pedaço de tecido que poderá então ser utilizado para análises genéticas. Este método demonstrou ser seguro para os animais, tendo efeitos minimos tanto a curto como a longo-prazo, e é actualmente utilizado por diversas equipas de investigação em todo o mundo (Krützen et al., 2002; Hoelzel, 2002).
As análises genéticas serão divididas em diferentes abordagens. A utilização de diferentes microsatélites aliada a uma amostragem significativa ao longo da costa, permitirá identificar diferentes unidades populacionais e os níveis de fluxo genético entre elas. Além disso, a comparação entre os padrões de variação genética encontradas em marcadores neutros e em marcadores funcionais (envolvidos, por exemplo, no sistema imunitário ou sucesso reprodutor), permite testar se a variação genética encontrada está de alguma forma a ser condicionada por pressões selectivas do ambiente.

Finalmente, a informação genética será sobreposta com dados relativos a variáveis ambientais, como temperatura da água, profundidade, distribuição de presas e alimentação (através da análise de isótopos estáveis na gordura obtida nas biópsias). Desta forma, será possível perceber se existe alguma relação entre os padrões obtidos pela análise genética, e diferenças locais nas condições ambientais a que os animais estão sujeitos. Dado que a costa portuguesa se encontra numa zona de transição entre o ambiente mediterrânico e o atlântico, os animais estão sujeitos a uma diversidade de ambientes diferentes. Simultaneamente, a nossa costa parece também albergar os maiores níveis de diversidade genética da Europa (Natoli et al., 2005; 2006). Será assim possível testar se esta diversidade é promovida pela existência de ambientes igualmente diversos, e quais os factores ambientais que têm uma influência mais forte. Alternativamente, pode também testar-se a existência de outro tipo de pressões a promover a divergência entre diferentes unidades populacionais, como por exemplo a existência de reprodução preferencial entre indivíduos geneticamente mais semelhantes.
Importância do Projecto para o Conhecimento e Conservação dos Cetáceos da Costa Portuguesa

A costa portuguesa é bastante rica em espécies de cetáceos e de acordo com os resgistos de arrojamentos, e informação disponibilizada pelas empresas de observação de cetáceos e pescadores, o golfinho-comum e o roaz-corvineiro parecem ser particularmente abundantes. No entanto, o conhecimento que temos destas espécies é ainda bastante limitado, principalmente na costa continental. Este estudo fornecerá uma primeira imagem de como a variação genética está distribuída ao longo da nossa costa. Esta informação pode fornecer alguma ideia da distribuição de diferentes unidades populacionais, as áreas preferenciais de ocupação e os níveis de conectividade entre elas. Ao mesmo tempo, pode dar uma ideia dos níveis de diversidade das diferentes unidades populacionais, e assim identificar populações mais vulneráveis, assim como identificar zonas onde se concentre uma maior diversidade genética, que por isso poderão ser identificadas como zonas importantes para a protecção destas espécies.

Os resultados deste projecto poderão, por um lado, contribuir para a compreensão de uma questão biológica interessante, como é a ocorrência de especiação sem a influência de barreiras externas ao fluxo genético. Por outro lado, poderão ajudar o conhecimento da biologia e ecologia dos cetáceos da costa portuguesa, e assim ajudar aos esforços de conservação destes animais.

Bibliografia
Folkens, P. A., Reeves, R. R., Stewart, B. S., Clapham, P. J., e Powell, J. A. (2002). Guide to Marine Mammals of the World. (Chanticleer Press ed). New York: Alfred A. Knopf.
Futuyma, D. J. (1998). Evolutionary Biology. (3ª ed). Sunderland, Massachussets: Sinauer Associates, Inc.
Hoelzel, A. R. (2002). Marine Mammal Biology: an evolutionary approach. Blackwell Science Ltd.
Hoelzel, A. R., Potter, C. W., e Best, P. B. (1998). Genetic differentiation between parapatric `nearshore´ and `offshore´ populations of the bottlenose dolphin. Proceedings of the Royal Society of London 265: 1177-1183.
Jackson, J. B. C. e Cheetham, A. H. (1999). Tempo and mode of speciation in the sea. Trends in Ecology & Evolution 14: 72-77.
Krützen, M., Barré, L. M., Möller, L. M., Heithaus, M. R., Simms, C., e Sherwin, W. B. (2002). A Biopsy System for Small Cetaceans: Darting Success and Wound Healing in Tursiops spp. Marine Mammal Science 18: 863-878.
LeDuc, R. G., Perrin, W. F., e Dizon, A. E. (1999). Phylogenetic Relationships Among the Delphinid Cetaceans Based on Full Cytochrome B Sequences. Marine Mammal Science 15: 619-648.
Natoli, A., Birkun, A., Aguilar, A., Lopez, A., e Hoelzel, A. R. (2005). Habitat structure and the dispersal of male and female bottlenose dolphins (Tursiops truncatus) . Proceedings of the Royal Society of London: Series B, Biological Sciences 272: 1217-1226.
Natoli, A., Cańadas, A., Peddemors, V. M., Aguilar, A., Vaquero, C., Fernández-Piqueras, P., e Hoelzel, A. R. (2006). Phylogeography and alpha taxonomy of the common dolphin (Delphinus sp.). Journal of Evolutionary Biology 19: 943-954.
Palumbi, S. R. (1994). Genetic Divergence, Reproductive Isolation, and Marine Speciation. Annual Review of Ecology and Systematics 25: 547-572.
Schluter, D. (2001). Ecology and the origin of species. Trends in Ecology & Evolution 16: 372-380.
Via, S. (2001). Sympatric speciation in animals: the ugly duckling grows up. Trends in Ecology & Evolution 16: 381-390.

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