Lic de Biologia no ISA

A licenciatura tem um perfil técnico-científico de banda larga, com três anos iniciais seguidos de posterior de formação com carácter aplicado. O ISA é uma das escolas com maior experiência no domínio da Biologia Aplicada e os licenciados terão uma sólida formação científica e oportunidades de emprego generalista em todos os domínios da Biologia, nomeadamente nas áreas do ambiente e ecologia aplicada, genética e biologia molecular, conservação da natureza e utilização e conservação dos recursos biológicos, podendo desempenhar funções na investigação científica, em laboratórios especializados, bem como em tarefas de consultadoria.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Recifes de coral e suas ameaças

Os recifes de coral são muito susceptíveis à perturbação natural e humana, mas são a extensão e diversidade dos impactes resultantes das actividades humanas os responsáveis pela situação vulnerável em que estes sistemas se encontram.

Susana Ribeiro

Os ecossistemas de recifes de coral são muito sensíveis aos impactos externos que violem a sua homeostasia, sejam eles naturais ou causados pelo Homem. Durante as últimas três décadas, eventos catastróficos, como terramotos, o aquecimento da água provocado pelo “El Niño”, as pragas de Acanthaster planci (estrela-do-mar), assim como diversas causas de stress provocadas pelo Homem, afectaram os sistemas coralinos, resultando na sua destruição em áreas muito vastas. De todos estes factores salientam-se:

- Destruição dos corais por stress físico: entre os factores de stress físico que prejudicam os corais, podemos mencionar a acção das ondas e a diminuição da salinidade, a exposição ao ar e o sobreaquecimento. Muitas vezes estes acontecimentos estão relacionados com a passagem de ciclones que são acompanhados por fortes chuvas, causando a diminuição da salinidade e a sedimentação dos recifes. Cobertos por sedimento, os corais morrem num período de 3 a 4 dias. A passagem de um ciclone de força média destrói 50 a 80% dos corais nas zonas superiores do recife. Estes ciclones ocorrem uma ou duas vezes em cada século (Maragos et al., 1973 in
Sorokin, 1993).
Figura 1. Acanthaster planci a alimentar-se dos pólipos de coral.
- Acanthaster planci: estrela-do-mar denominada coroa-de-espinhos, destrói os corais ao alimentar-se deles. Distribui-se pela região do Indo–Pacífico, incluindo o Mar Vermelho, estando, no entanto, ausente do Atlântico. A sua predação teve um impacto na Grande Barreira de Coral quando, em 1960, os recifes perto de Cairns (latitude 17ºS) ficaram infestados. Desde então e até 1984, estes equinodermes causaram a destruição de grande parte dos corais desta barreira.

De acordo com alguns autores (Endeon & Cameron in Nybakken, 1988), a explicação mais provável para estas explosões de Acanthaster planci é o facto do Homem sobreexplorar os seus predadores, entre os quais a Charonia tritonis (Tritão-do-Pacífico).
Figura 2. O tritão-do-Pacífico (Charonia tritonis) é um dos maiores gastrópodes dos recifes.
Uma outra teoria (Birkeland, 1982 in Nybakken, 1988) sugere que o recrutamento juvenil desta estrela-do-mar é estimulado pela combinação de baixa salinidade, elevada concentração de nutrientes e alta temperatura. Segundo esta hipótese, a ocorrência de um ano com precipitação elevada, juntamente com a destruição humana da vegetação nativa nas áreas terrestres adjacentes, leva a um aumento do “runoff” (águas da chuva transportadas pelos rios), o que conduz ao aparecimento de blooms de fitoplâncton, que por sua vez servirá de alimento às larvas de Acanthaster planci.

Correlacionada com esta teoria está a da agregação de adultos da espécie, que diz que a destruição dos recifes por furacões leva à agregação das estrelas-do-mar, que depois atacam os corais que sobrevivem ao ciclone.
- “El Niño”: é um fenómeno natural que aparece, normalmente, de três em três anos no Pacífico equatorial e que se manifesta através de um aumento da temperatura da água oceânica superficial, ao largo da América Central e do Sul. Estas águas são normalmente frias devido à sua latitude, ao “upwelling” ao longo da costa e também devido à corrente fria do Perú. O “El Niño” de 1982-83 foi talvez o mais forte alguma vez verificado no Pacífico.

Como resultado deste fenómeno, a temperatura oceânica superficial no Pacífico eleva-se até 30-32ºC, cerca de 2-4ºC acima do normal, permanecendo assim durante alguns meses, provocando um desequilíbrio nos ecossistemas, incluindo os recifes de coral.

- Doenças dos corais: a exposição dos corais a doenças foi descoberta por Antonius, em 1973 (in Sorokin, 1993). Mais tarde este autor descreveu quatro tipos de doenças, duas que danificam os corais quando em situação de stress, como o sobreaquecimento ou a poluição - “White bacteriosis” e “Pull-in of polyps” – e as outras duas que se podem manifestar em corais saudáveis - “White band” e “Black band”. A “Black band”, doença causada pela alga filamentosa Phormidium corallicum (Rützler and Santavy, 1983 in Sorokin, 1993) pode, no entanto, ser estimulada por condições de stress (Antonius, 1981, 1984, 1989 in Sorokin, 1993). O agente infeccioso da “White band” é ainda desconhecido, mas supõe-se ser uma bactéria (Peters et al., 1983 in Sorokin, 1993).

Torna-se evidente que as doenças “atacam”, na sua maioria, corais afectados por stress, condição fundamentalmente resultante da actividade humana (Segel and Ducklow, 1982 inin Sorokin, 1993).
Sorokin, 1993). Sob a influência da sedimentação e poluição os corais aumentam a sua excreção de muco, excesso esse que estimula o desenvolvimento de bactérias que, por sua vez, infectam os corais (Mitchell and Chet, 1975 e Garret and Ducklow, 1975
- Impacto antropogénico: A periodicidade dos factores físicos permite a sobrevivência e florescimento dos corais. No entanto, o stress antropogénico é muito mais perigoso para os recifes porque, na maioria dos casos, é permanente, com tendência a aumentar com o tempo (Kinsey, 1988 in Sorokin, 1993).

O stress antropogénico maciço nos recifes teve o seu início na Segunda Guerra Mundial, quando os militares fecharam a lagoa do atol Palmyra, conduzindo à morte de todos os recifes da lagoa.

Entre os diversos tipos de impacto antropogénico podem mencionar-se as descargas de efluentes directamente para os recifes, assim como descargas para o oceano que, devido às correntes oceânicas, acabam por chegar aos recifes. A acumulação de nutrientes estimula o crescimento de algas que inibem o desenvolvimento dos corais, acabando por os substituir. A presença de produtos tóxicos na água provoca, igualmente, a morte dos corais, assim como a poluição por óleo que inibe o crescimento e reprodução dos pólipos. A explosão de turistas nas duas últimas décadas também prejudica grandemente os recifes.




-Pesca nos recifes: a exploração dos recursos vivos dos recifes (peixes, invertebrados, moluscos, caranguejos, camarões, ouriços, algas comestíveis, conchas e corais como lembranças) e de areia para construção destabiliza o recife, diminuindo a sua capacidade de regeneração, conduzindo ao seu desaparecimento. A exploração dos recursos de um recife de coral deve ser feita de forma racional.

Referências bibliográficas
Nybakken, J.W. (1988). Marine biology. An ecological approach. Harper and Row, Publishers, New York, 514p.
Sorokin, Y.I. (1993). Coral Reef Ecology. Ecological Studies. Vol. 102. Springer-Verlag Berlin Heidelberg. Germany, 465p.

O Guerreiro da Água

A capacidade de mergulhar, nadar e caminhar debaixo de água permite ao melro-d’água vencer as suas duras batalhas de procura de alimento, tornando este tímido habitante de rios e riachos de montanha um tesouro da avifauna Europeia.

João Cosme

O melro-d'água (Cinclus cinclus) é um habitante típico da alta e média montanha, preferindo cursos de água rápida com pedras expostas e cascalho. Este material emerso proporciona pousos preferenciais para a detecção, manuseamento e ingestão das presas. Frequenta regiões montanhosas, até 2500 metros de altitude, que se estendem desde a Europa Ocidental até à China e Sibéria e ainda no Norte de África.

Trata-se de uma espécie sedentária (em alguns casos ocorrem movimentos de dispersão, particularmente no Inverno onde os cursos de água gelam) e pouco social, vivendo solitário ou aos pares. Quando as águas são batidas por correntes e redemoinhos, o fundo é rochoso e de baixa profundidade, a poluição inexistente e as margens dos cursos de água são constituídas por uma vegetação abundante, é provável a presença desta relíquia ornitológica.
Nos primeiros dias de Fevereiro, já é possível observar nos cursos fluviais, ainda frios e gélidos, a parada nupcial desta ave emblemática dos sistemas ripícolas. No topo das pedras salientes da água, vê-se a exibição de ambos os sexos com os seus babetes brancos e as asas caídas proporcionando-nos uma beleza única.

Durante a época de reprodução estas aves são muito territoriais, por isso escolhem, de preferência, locais propícios à nidificação e à sua alimentação, defendendo activamente o seu condado, expulsando outros intrusos. Embora o sistema mais comum seja monogâmico, por vezes, o mesmo macho percorre o território de mais de uma fêmea.

Normalmente, a localização do ninho encontra-se em cavidades ou saliências de rochas, próximas do nível da água, sendo mais comum atrás das cascatas onde estão a salvo da predação. Por vezes, nidificam em estruturas humanas relacionadas com os cursos de água (moinhos e pontes).

O ninho, em forma de bola, com um orifício dirigido para a água (fazendo lembrar o ninho de carriça), apresenta uma construção fabulosa provida de um corredor que sobe até à câmara de postura, utilizando musgos, ervas e folhas, o que torna o seu interior confortável e impermeável. Ambos os sexos ajudam na sua construção.

A postura tem início em Março (variando, devido às condições climatéricas) e consiste entre 4 a 5 ovos, que são incubados pela fêmea, já que o macho, na altura da incubação, tem a árdua tarefa de alimentar a fêmea e defender o seu território.

Entre 15 a 17 dias eclodem dos seus ovos os juvenis, que nascem cegos, indefesos e com pouca penugem. Permanecem no ninho aproximadamente 3 semanas durante as quais beneficiam dos cuidados dos progenitores (verifica-se que as presas capturadas, antes de serem entregues às crias, são sempre convenientemente lavadas). A aptidão dos juvenis para a natação é adquirida antes de iniciarem o primeiro voo.

A coloração é mais homogénea e nela predominam os tons de cinzento e castanho, mesmo no peito. Quando já são capazes de se alimentar por si só, são expulsos pelos pais que iniciam uma nova postura (duas a três por ano).
A sua alimentação consiste, exclusivamente, em macro invertebrados aquáticos, sobretudo larvas de insectos, vermes e moluscos gastrópodes. Estes hábitos alimentares, obrigam esta prodigiosa ave a ter capacidades natatórias extraordinárias, sendo a única ave canora capaz de mergulhar e de se deslocar no leito dos rios.

Ao submergir para capturar as suas presas, este Cinclídeo desafia todas as leis da flutuação. Esta capacidade resulta do facto de, quando se desloca de cabeça baixa contra a corrente, a pressão exercida pela água sobre o seu dorso inclinado permite manter esta ave junto ao leito do rio. Quando tal acontece, as aberturas nasais que possui no bico e as auditivas são tapadas por uma membrana protectora que lhe permite nadar e deslocar-se debaixo de água, utilizando as asas como remos e levantando com o auxílio do bico e das patas, as pedras em busca do seu manjar.

Tal comportamento só é possível graças à secreção oleosa de uma grande quantidade de glândulas uropigiais, o que torna a sua plumagem impermeável.

Uma equipa de biólogos da Faculdade de Ciências do Porto - Centro de Estudos de Ciência Animal (CECA-ICETA) realizaram um estudo sobre a comunidade de vertebrados aquáticos e ribeirinhos do Rio Paiva. Este estudo consistiu em avaliar o impacto provocado por uma possível barragem nas espécies ligadas ao meio fluvial deste magnífico e selvagem rio. Este apresenta uma rica biodiversidade e alberga espécies bastante raras, onde se inclui o melro-d’água, que encontra aqui todas as condições necessárias para a sua sobrevivência.

O Rio Paiva é um afluente da margem esquerda do Rio Douro. Nasce na Serra de Leomil e desagua próximo de Castelo de Paiva. É um rio típico de montanha, de águas rápidas e com fundo rochoso. As suas margens, ainda bem conservadas, são constituídas por uma vegetação rica, diversificada e abundante, na qual predominam amieiros (Alnus glutinosa), freixos (Fraxinus angustifolia), salgueiros (Salix sp.), secundados por aveleiras (Corilus avelana), pilriteiros (Crataegus nosilis) e carvalho-roble (Quercus robur).

Nuno Gomes, biólogo e responsável pelo trabalho de campo, adiantou que “o melro-d’água foi observado praticamente em toda a extensão da área de estudo, sendo provável que o rio Paiva tenha uma das maiores populações desta espécie no nosso País”.

Na maioria dos rios portugueses que albergam esta ave aquática, apesar de existir uma grande escassez de estudos no nosso País, as suas populações são pequenas e fragmentadas, constituindo assim a bacia hidrográfica do Rio Paiva um dos poucos locais onde existe uma população abundante desta espécie ribeirinha. É bom que se diga que todas as modificações previstas para este deslumbrante rio, nomeadamente a construção de uma barragem, irão afectar certamente esta prodigiosa ave, que, devido às suas exigências ecológicas, é legítimo prever que as suas populações diminuirão drasticamente.
A poluição dos meios aquáticos e a alteração do seu ecossistema são sem dúvida a maior ameaça para esta espécie. A contaminação físico-química da água, com o consequente desaparecimento da fauna de invertebrados, a alteração no leito e a destruição do coberto vegetal dos cursos de água, afecta não só esta espécie, como toda a variedade de fauna e flora deste biótopo. A sensibilidade desta espécie à poluição é tal que chega a ser utilizada como indicador de poluição em muitos países.

A construção de infra-estruturas humanas, nomeadamente barragens e mini-hídricas, modificam tanto a vegetação ribeirinha, como o nível dos cursos de água. A profundidade provocada por estas barreiras (aumento do nível de água), torna inacessível o seu fundo e provoca o empobrecimento dos macro invertebrados, já que alguns destes seres necessitam de água com bastante oxigenação.

Também a substituição da vegetação ripícola por plantações agrícolas, reflorestação, sobretudo por monoculturas de espécies de crescimento rápido (eucaliptos e pinheiros), implica a redução do habitat necessário à sobrevivência desta espécie. A estratégia de conservação do melro-d’água passa obrigatoriamente pela preservação do seu ecossistema.

Algumas das áreas prioritárias para a conservação desta relíquia ornitológica já estão inseridas nas áreas protegidas do território nacional ou fazem parte da Rede Natura 2000. Destas destacam-se o Parque Nacional da Peneda-Gerês e Parques Naturais de Montesinho, Alvão, Estrela, Açor e Malcata. No entanto, esta espécie nunca foi alvo de um plano concreto de conservação, correndo o risco de desaparecer de algumas áreas, as quais não são abrangidas por espaços protegidos. Um dos casos é a Serra do Caramulo, que infelizmente ficou esquecida e não está incluída na Rede Natura 2000. As populações aqui residentes encontram-se extremamente fragmentadas, sendo vítimas de várias ameaças já referidas anteriormente. Deste modo, é importante que outras áreas onde habitam melros-d’água fossem dotadas de um estatuto de protecção.

No nosso País, o melro-d'água foi classificado com o estatuto de espécie vulnerável. Embora a sua situação populacional seja desconhecida, suspeita-se que se encontra em regressão. Para salvaguardar esta espécie e todo o seu ecossistema, não só são necessários estudos mais exaustivos, como a fiscalização dos meios fluviais onde sobrevivem os nossos últimos melros-d’água.
O melro-d’água (Cinclus cinclus) é uma das cinco espécies de Cinclídeos que existe em todo o mundo. Espécie notável pela sua capacidade natatória, que lhe permite ocupar um biótopo peculiar e muito característico, nomeadamente os cursos de água rápida em áreas de montanha. Devido a esta especialização, a sua distribuição está confinada a zonas bastante restritas, de modo que em Portugal continental os núcleos populacionais confirmados desta espécie situam-se todos a norte do rio Tejo. A sua área de ocorrência estende-se desde as regiões montanhosas do Minho, Trás-os-Montes, Beira Alta até à Reserva Natural da Serra da Malcata e à Serra do Açor, os pontos mais a sul da sua distribuição.

O Parque Nacional da Peneda-Gerês é um dos locais privilegiados para a observação deste Cinclídeo. Mais para o interior, o nordeste transmontano, com as suas maravilhas naturais, constitui um autêntico paraíso para a ocorrência desta espécie. Rios de rara beleza, como o Sabor (que, com a construção da barragem vai perder uma das populações mais importantes de Portugal), Maçãs e Onor, oferecem biótopos intocáveis a esta simpática espécie. A sua distribuição estende-se mais para sul abrangendo as áreas da Serra do Alvão, Marão, Arada, Caramulo, Lousã, Açor e Malcata, bem como toda a área abrangida pelo Parque Natural da Serra da Estrela.

Na vertente norte da Serra do Caramulo nasce o rio Couto que alberga um a dois casais nidificantes. Com uma vegetação abundante e bem conservada foi comprovada, neste curso fluvial, a nidificação desta espécie em finais de Fevereiro., tendo os juvenis sido observados em meados de Março. De salientar que no Atlas das Aves Nidificantes de Portugal continental (Rufino, R.) são referidas observações dos juvenis recém-nascidos desta espécie apenas no mês de Maio.

Devido à falta de informação relativamente a esta espécie é provável que a sua distribuição seja mais ampla. Esperemos que o novo Atlas, cuja elaboração está em curso no nosso país, venha rectificar a situação.

Em Espanha, a sua distribuição estende-se desde a Galiza até aos Pirinéus, passando pelos Montes Cantábricos. Mais para sul abrange as províncias de Aragão e Estremadura até à Serra Nevada.

O surpreendente mundo das plantas

As plantas fazem parte do nosso dia a dia de forma tão indispensável e constante que frequentemente nem damos por elas. A verdade é que se nos debruçarmos por momentos sobre o seu mundo faremos descobertas surpreendentes e fascinantes.

Maria Carlos Reis

Por mais insólito que nos possa parecer, podemos dizer que as plantas podem ver, comunicar entre si, têm a capacidade de reagir ao mais pequeno toque e, ainda, que conseguem calcular o tempo com uma precisão surpreendente.

Dito assim, poderá parecer que se trata de uma confusão, porque é aos animais que normalmente poderemos atribuir tais faculdades. Ou então tratar-se-ão de afirmações extraordinárias, que roçam os domínios da fantasia. Destas duas, vamos enveredar pela primeira parte da segunda opção. É que embora algumas destas capacidades só recentemente tenham sido identificadas pelos botânicos, as provas das outras são conhecidas por todas as pessoas minimamente sensíveis ao mundo natural e, em particular, ao extraordinário "Mundo das Plantas".
Poderemos então relatar alguns fenómenos relativamente comuns. Por exemplo, se um rebento for mantido numa caixa fechada, onde somente exista uma fresta por onde entre a luz do sol, facilmente se verifica que ele rastejará em direcção a ela. Esta pode ser uma das evidências que servem de base à afirmação de que "as plantas podem ver". Os girassóis, durante o pôr do sol, estão virados para Oeste, mas viram-se para Este durante a noite, para que possam apanhar os raios solares da alvorada. Eles continuarão a executar estes movimentos, durante vários dias, mesmo que sejam mantidos sob a mais completa escuridão, o que nos permite dizer que as plantas conseguem calcular o tempo, pois possuem um ritmo circadiano (diário) intrínseco. Existe, ainda, o exemplo de algumas plantas carnívoras, como a dioneia, que fecham as suas sedas sensíveis quando são tocadas não uma, mas duas vezes. Isto significa que, para além de serem sensíveis ao toque, conseguem contar!

As plantas também precisam de viajar. Para seres que se movem rapidamente como nós, elas são encaradas como seres de vida sedentária, pois estão enraizadas e raízes são sinónimo de imobilidade. Mas esta é, apenas, a visão mais simplista. Se pensarmos que, tal como todos os seres vivos, também a vida das plantas culmina com a produção de mais indivíduos, que tentarão reivindicar espaço para si e, dessa forma, alargar a área de distribuição da sua espécie, rapidamente concluimos que, para o fazerem, elas terão de viajar numa determinada fase do seu ciclo de vida - enquanto semente, ou mesmo na fase adulta. Deste último caso, poderá ser salientado o exemplo das "plantas imperialistas", como as silvas, que alargam os seus domínios através de caules exploratórios e que progridem de uma forma agressiva, através de espinhos que se agarram ao solo e que destroem a vegetação que encontram no caminho. Vão, assim, consolidando a sua ocupação. Mas as estratégias de propagação das sementes são, igualmente, diversas e espantosas. Veja-se o caso das giestas, que literalmente lançam as suas sementes a grandes distâncias. Quando as vagens aquecem durante o dia, o lado virado para o sol seca mais depressa do que o que está à sombra, o que cria uma tensão dentro da vagem, que acaba por dividi-la nas suas duas metades, catapultando as suas pequenas sementes em todas as direcções.
Mas para que as plantas consigam sobreviver, na maior parte das situações elas necessitam de estabelecer relações com outros seres vivos, pois vivem em comunidade. Apesar de muitas destas relações resultarem no prejuízo de uma das espécies intervenientes, existem muitas outras em que os benefícios são mútuos ou que, pelo menos, delas não decorre prejuízo para nenhuma das espécies envolvidas. É o caso dos animais que vivem no interior de plantas, de que são exemplos comuns as formigas. Elas são inquilinos de uma grande variedade de plantas, de que se destaca a acácia-chifre-de-búfalo, da América do Sul. Ela desenvolve espinhos de protecção, que são escavados pelas formigas rainhas, já acasaladas, que aí se instalam e fazem as posturas. Depois de nascerem, as jovens operárias patrulham a planta e qualquer insecto que nela pouse para se alimentar das suas folhas é imediatamente comido, o que serve os interesses da acácia.

Todas estas capacidades resultaram da adaptação evolutiva das diferentes espécies, a meios com características e requisitos distintos. Ao longo do tempo, elas tiveram, tal como os animais, de enfrentar inúmeros problemas, tais como evitar os inimigos, competir com as plantas vizinhas quando os recursos escasseiam, utilizando-os da forma mais eficiente e garantindo, simultaneamente, a replicação da espécie.
Todos estes conflitos e dificuldades são comuns à maioria das plantas, e decorrem mesmo ao nosso lado, no canteiro da frente da nossa casa ou no jardim onde levamos o "Bobby" a passear. No entanto, a consciência que temos destes fenómenos não é grande e talvez seja devida ao facto da maioria das plantas viver numa escala temporal muito diferente da nossa. Hoje em dia, porém, os avanços da tecnologia, nomeadamente em relação ao filme e ao video, não param, o que nos permite modificar e acelerar o movimento. Desta forma, as acções das plantas deixam de ser imperceptíveis e temos a possibilidade de apreciar fenómenos como o estrangulamento das árvores hospedeiras pelas raízes trepadoras da figueira-estranguladora ou a floração repentina das espécies herbáceas durante o curto verão do Ártico.

De tudo aquilo que se sabe, poderá ser afirmado que as plantas são organismos com maior êxito do que os animais. Foram elas as primeiras a colonizar o meio terrestre e só após este processo é que foram criadas as condições para que os animais o invadissem. Para além disso, elas são a base de todas as cadeias alimentares.

No mundo das plantas vamos encontrar as mais variadas adaptações, que lhes permitem sobreviver nos locais mais inóspitos, onde nenhum animal conseguiria prosperar. Simples, ou mais complexas, elas colonizaram quase toda a superfície do nosso planeta, desde as neves do pólos, às luxuriantes florestas húmidas do equador. Para elas só são essenciais quatro factores: água, luz, calor e sais minerais. Parece uma lista pouco exigente, mas é ainda mais espectacular se pensarmos em como são módicas as quantidades de que algumas delas precisam. Qualquer local que possa fornecer um mero vestígio de sais minerais, água, calor e luz, ainda que por um período limitado de tempo no ano, é certamente colonizado por algum tipo de plantas.
Existe apenas uma única situação a que não conseguem sobreviver: as acções violentas da humanidade. Exploramo-las de uma forma pouco consciente desde que surgimos no planeta como espécie, mas hoje em dia fazêmo-lo a uma escala sem precedentes. Colocamo-nos em risco ao esquecermos de que dependemos fortemente das plantas, pois é infindável a lista de utilizações que diariamente fazemos delas. Raras são as vezes em que nos ocorre, quando bebemos mais um copo de vinho, lemos o nosso livro de cabeceira ou lavamos a nossa camisola de algodão, que somos actores em histórias escritas, não por nós, mas por elas, histórias que não são mais do que estratégias extremamente bem sucedidas nas suas campanhas de reivindicação, para as suas espécies, dos recursos a que têm direito na sua vida na Terra.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

A importância dos Espaços Verdes Urbanos

O conceito de espaço verde urbano e respectivas funções sofreram profundas alterações ao longo do tempo, sendo actualmente aceites de forma unânime os seus múltiplos papéis de fundamental importância para o bem-estar da população urbana.

Cláudia Fulgêncio

A necessidade de espaços verdes urbanos é uma das consequências da evolução que as cidades têm sofrido ao longo do tempo.

Foi a partir da era industrial, com o êxodo da população rural para a cidade, que surgiu o conceito de “espaço verde urbano ”, como espaço que tinha por objectivo recriar a presença da natureza no meio urbano. No século XIX os espaços verdes funcionavam como locais de encontro, de estadia ou de passeio público.
Fotografias de José Romão
Nas cidades mais industrializadas surge, posteriormente, o conceito de “pulmão verde”, ou seja, o de espaço verde com dimensão suficiente para produzir o oxigénio necessário à compensação das atmosferas poluídas. Foi à luz deste conceito que surgiu o Parque de Monsanto, em Lisboa. Mais tarde, este conceito evoluiu para o de “cintura verde” a rodear a “cidade antiga”, separando-a da “zona de expansão”.

No início do século XX surgiu a teoria do continuum naturale, baseada na necessidade da paisagem natural penetrar na cidade de modo tentacular e contínuo, assumindo diversas formas e funções: espaço de lazer e recreio; enquadramento de infra-estruturas e edifícios; espaço de produção de frescos agrícolas e de integração de linhas ou cursos de água com os seus leitos de cheia e cabeceiras. Este objectivo é realizado quer através da criação de novos espaços, quer da recuperação dos existentes, e da sua ligação através de “corredores verdes”, integrando caminhos de peões e vias.

É esta a lógica que ainda hoje se mantém. Os espaços verdes urbanos, quer públicos quer privados, assumem uma crescente importância nas políticas regionais e municipais, procurando-se uma lógica de contínuo vivificador de todo o tecido urbano e de ligação ao espaço rural envolvente.
Padrões recomendados para a estrutura verde urbana

Cada ser humano tem necessidade de uma quantidade média de oxigénio igual à que pode ser fornecida por uma superfície foliar de 150 m2. Tendo por base esta superfície, o valor global considerado desejável para a estrutura verde urbana é de 40 m2/habitante.

Esta estrutura deverá ser constituída por duas subestruturas, para as quais se apontam as seguintes dimensões: estrutura verde principal – 30 m2/habitante e estrutura verde secundária – 10 m2/habitante.

A estrutura verde principal engloba os espaços verdes localizados nas áreas de maior interesse ecológico ou nas mais importantes para o funcionamento dos sistemas naturais (vegetação, circulação hídrica e climática, património paisagístico, etc.). Com esta estrutura pretende-se assegurar a ligação da paisagem envolvente ao centro da cidade e o enquadramento das redes de circulação viária e pedonal, por integração dos espaços que constituem os equipamentos colectivos verdes de maior dimensão e de concepção mais naturalista.

A estrutura verde secundária penetra nas zonas edificadas, apresentando portanto um carácter mais urbano, e modificando-se ao longo do seu percurso, para constituir ora um espaço de jogo e recreio, ora uma praça arborizada, ora um separador entre trânsito e peões.
Funções dos espaços verdes no tecido urbano

Dadas as alterações e influências negativas que a intensificação da edificação provoca no clima urbano, uma das importantes funções da vegetação consiste no controle do microclima, contribuindo para a sua amenização, através das suas propriedades de termorregularização, controle da humidade, controle das radiações solares, absorção de CO2 e aumento do teor em O2, protecção contra o vento, contra a chuva e o granizo e protecção contra a erosão.

Os espaços verdes são também úteis na separação física do trânsito automóvel da circulação de peões, filtram os gases tóxicos produzidos pelos automóveis, absorvem parte do ruído provocado e reduzem o encadeamento.
Têm um papel importante na ligação dos vários espaços diferenciados entre si e na amenização de ambientes, pelo contraste entre a suavidade do material vivo inerente à vegetação e o carácter inerte e rígido dos pavimentos e outras superfícies construídas.

Desempenham ainda funções culturais, de integração, de enquadramento, didácticas, de suporte de uma rede contínua de percursos para peões, de jogo, lazer e recreio. O interesse cultural do espaço verde urbano pode sintetizar-se na possibilidade de incentivar as pessoas à apreensão e vivência dos objectos e dos conjuntos em que se organizam.

As espécies vegetais, de diferentes formas, cores e texturas, constituem elementos plásticos com os quais se pode aumentar o interesse estético dos espaços urbanos.

A observação e contemplação da vegetação pela população urbana possibilitam a percepção da sequência do ritmo das estações, e de outros ciclos biológicos, o conhecimento da fauna e flora espontânea e cultivada, o conhecimento dos fenómenos e equilíbrios físicos e biológicos.

Não obstante o reconhecimento das funções essenciais associadas à presença dos espaços verdes, a sua implementação encontra-se sujeita a múltiplas ameaças, entre as quais se destaca a excessiva densificação da malha urbana, associada a situações de especulação fundiária e a ausência de um planeamento adequado.

O Porquê dos Nomes Científicos

A categorização e classificação da biodiversidade são ferramentas fundamentais para a investigação dos seres vivos. Após diversas tentativas, no séc. XVIII, Carl Linée criou um sistema de classificação eficaz, que ainda hoje é utilizado.

Rui Braz e Maria João Cruz

Actualmente conhecem-se mais de 1,5 milhões de espécies e pensa-se que poderão existir cerca de 8 milhões ainda por descrever. Face a esta enorme diversidade, seria impossível a um biólogo referir-se a uma espécie ou a um taxon mais elevado se cada um deles não tivesse um nome próprio.
No entanto, a atribuição de nomes comuns ou vernáculos não resolve o problema, pelo contrário, a comunicação científica seria mais difícil, uma vez que os especialistas teriam que aprender os nomes em inúmeras línguas para que pudessem trocar informações acerca de uma mesma espécie. Existem ainda outras dificuldades, tais como o facto de só existirem nomes comuns para os organismos mais conhecidos, o mesmo organismo poder ter vários nomes ou um mesmo nome poder ser usado para designar espécies muito diferentes.
Os biólogos adoptaram uma língua através de um acordo internacional, permitindo assim que cada animal tivesse um único nome que pudesse ser usado em todo o mundo. A atribuição de nomes científicos às espécies deve respeitar um código que desempenha a mesma função que a gramática de uma língua. Qualquer taxonomista que queira atribuir um novo nome deve seguir as regras do Código Internacional da Nomenclatura Biológica. Devido às particularidades de alguns organismos, existem regras distintas para animais, plantas e bactérias.
Para que a nomenclatura científica funcione, assim como qualquer sistema de comunicação, há que respeitar alguns requisitos, três dos quais são especialmente importantes: a unicidade ou especificidade, a universalidade e a estabilidade. Cada nome deve ser único e universal porque é a chave de acesso a toda a informação relacionada com determinada espécie ou grupo taxonómico. Se um mesmo animal recebeu vários nomes, tem de existir um método que dê validade a um deles. Por outro lado, qualquer mudança de nome pode causar confusão e dificultar a recolha de bibliografia.
As bases deste código foram sugeridas pela primeira vez em 1758, pelo sueco Carl Von Linée. Este botânico introduziu o uso dos nomes científicos tal como são usados hoje em dia. O nome científico de cada espécie é composto por um nome genérico e pelo epíteto específico (por exemplo, o nome científico do lobo é Canis lupus (Linnaeus, 1758)), o primeiro corresponde ao género a que a espécie pertence (sempre com letra maiúscula) e o segundo acentua o carácter único da espécie (letra minúscula). O nome científico deve ser escrito em itálico ou sublinhado e pode ser seguido do nome ou abreviatura de quem descreveu a espécie pela primeira vez e o ano em que o fez. Quando dentro de uma espécie há grupos reconhecidamente diferentes, esses grupos são denominados de subespécies. Nesse caso utiliza-se um terceiro nome após o nome da espécie, o epíteto subespecífico, escrito em letras minúsculas: por exemplo, à subespécie de lobo existente na Península Ibérica dá-se o nome de Canis lupus signatus (Cabrera, 1907).
A desvantagem deste sistema é a sua instabilidade. O nome de uma espécie é alterado sempre que é mudada para um género diferente, o que dificulta a recolha de informação acerca de cada espécie. Por exemplo, quando se procedeu a uma única revisão num grupo de 332 espécies de abelhas, foi necessária a alteração de 288 nomes científicos. Porém, como ainda não foi sugerido um sistema mais eficaz, este código continua a ser usado e é aperfeiçoado periodicamente.
Bibliografia

Almaça, C. (1993). As Classificações biológicas. Aspectos históricos. Museu Bocage, Lisboa.
Lineu, C. 1758 (1939). Systema Naturae, 10ª ed. British Museum, London.
Mayr, E. e Ashlock, P. (1991). Principles of systematic zoology. 2nd Edition. McGraw Hill, Inc.
Singer, C. (1931). A short history of biology. Clarendon Press, Oxford.

Exposição: Missão Botânica - Transnatural


Exposição: Missão Botânica - Transnatural

Museu Nacional de História Natural

O Museu Nacional de História Natural convida-o a estar presente na inauguração da exposição "Missão Botânica - Transnatural", dia 28 de Junho, às 18h30, no átrio dos Museus da Politécnica.


sexta-feira, 22 de junho de 2007

Campo de trabalho: Conservação de Aves Rupícolas

de 27 de Agosto a 8 de Setembro 2007 (Vale do Côa)

Associação Transumância e Natureza

A Associação Transumância e Natureza, com sede em Figueira de Castelo Rodrigo, está a organizar o campo de trabalho "Conservação de Aves Rupícolas", que decorrerá de 27 de Agosto a 8 de Setembro de 2007.

Voluntários locais, nacionais e internacionais vão ter a oportunidade de participar em acções prácticas de conservação das aves de rapina do Vale do Côa, no âmbito do Projecto de Conservação de Aves Rupícolas, projecto que existe desde 2000. As principais actividades envolvidas no campo de trabalho são a recuperação de um pombal tradicional, a construção de um alimentador para aves necrófagas ou um cercado para repovoamento de coelho, a vigilância de incêndios e a monitorização de avifauna.

Para além das acções de voluntariado, pertende-se proporcionar aos participantes tempo livre, com oportunidades de aprendizagem sobre projectos de conservação de aves de rapina, para além do convívio com a comunidade local, passeios e música.

Esta actividade destina-se a participantes com idade superior a 18 anos, com vontade de passar umas férias activas na natureza e simultaneamente colaborando num projecto de conservação da natureza de referência na região de Riba-Côa. É essencial que os voluntários tenham disponibilidade
de participar no campo de trabalho durante os 13 dias do evento. Os trabalhos serão efectuados ao ar livre, sob temperaturas relativamente, portanto será necessário estar em boa forma física, estar protegido com vestuário fresco e protector solar adequado, mas sobretudo é necessário ter bastante entusiasmo e interesse pela conservação da natureza!

Mais informações em www.ribacoa.no.sapo.pt ou contacte-nos por email (mail.transumancia@gmail.com) ou através dos telefones 271313915 ou 916631471.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Seminário: "Vegetação ripícola e avaliação da qualidade ecológica em sistemas fluviais portugueses" (27 de Junho)


Uma visita botânica ao Cabo da Roca

O Cabo da Roca é excepcional por muitas razões. Uma das menos conhecidas, resulta da sua flora muito particular, que inclui espécies que só ali existem. Verá que escritor e fotógrafo conseguem transmitir o encanto do lugar.

Pedro Bingre (texto) e José Romão (fotos)


Quem hoje caminha pela paisagem enrugada, desarborizada e ventosa que medeia entre a aldeia da Azóia, a três quilómetros do mar, e o cabo da Roca, vê estendida sobre o terreno uma manta de retalhos de vegetação, sem ordem aparente, sem fisionomia homogénea. Dir-se-ia uma charneca desarrumada, posta à beira das falésias atlânticas. Prados de várias gramíneas encontram-se polvilhados por tojos (Ulex sp.) e troviscos (Daphne gnidium); todo o conjunto repartido por sebes de abrunheiros (Prunus spinosa), madressilva (Lonicera peryclimenum) e silva (Rubus ulmifolius) e canavial (Arundo donax). É uma paisagem em alteração ou, melhor dizendo, nas primeiras fases da chamada sucessão ecológica: estes campos, agrícolas até há poucas décadas, estão sendo lentamente recolonizados pela vegetação nativa.

Até aos anos setenta, o litoral saloio era cultivado literalmente até à beira do abismo. A população era numerosa, enquanto que a agricultura que a alimentava era incipiente, capaz de baixas produções por hectare - logo, carecia de todo o solo disponível, para obter por extensividade aquilo que não conseguia por intensividade. Aqui se cultivavam hortícolas, alguns cereais, e forragens para alimentação do gado. As propriedades, muito fragmentadas, dividiam-se entre si por muretes de pedra solta e, sobretudo, por sebes de abrunheiro e canavial. Hoje em dia, apesar das enxadas e os arados já não moldarem esta terra, as feições da paisagem evocam-nos no reticulado destas sebes que já nada separam.
Fotografias de José Romão
Abandonada a agricultura, regressaram as plantas nativas, em levas progressivas, como é próprio das sucessões ecológicas. Trata-se de um interessante processo em que a composição florística e a fisionomia do coberto vegetal vai-se alterando progressivamente até atingir um clímax em que a massa vegetal é máxima para as condições locais de solo e de clima. O clímax, naturalmente, depende do habitat: nas estepes inóspitas da Sibéria, limita-se a um modesto estrato herbáceo; no cálido e pluvioso Amazonas , a uma selva com vários estratos arbóreos e arbustivo. e no caso que nos ocupa, o interior do Cabo da Roca, sabe-se que a vegetação climácica seria um bosque de sobreiros e alguns carvalhos-negrais; mas hoje, depois destes bosques haverem sido arroteados por muitos séculos, pouco ou nada resta deles senão um ou outro exemplar destas árvores. As condições ambientais, no entanto, mantêm-se, e as bolotas que os sobreviventes vão lançando hão-de, a seu tempo (muitas dezenas de anos) recolonizar o seu antigo domínio. Enquanto o não fazem, outras espécies de arbustos pioneiros, de disseminação e crescimento mais rápidos, vão-no fazendo: os tojos, as urzes (Erica sp.), os sanguinhos (Rhamnus alaternus). São as chamadas etapas pioneiras da sucessão ecológica.
Fotografias de José Romão
Numa estreita faixa paralela às arribas, todavia, as ditas condições de solo e clima são mais específicas. O solo é mais delgado e, nalguns pontos a norte da Praia da Ursa, assenta sobre rochas calcárias (enquanto que o Cabo da Roca propriamente dito assenta sobre granitos). Muitas espécies vegetais são avessas a solos ricos em carbonatos (caso de muitos derivados de calcários), como é o caso do sobreiro; outras espécies, pelo contrário, são-lhes atreitas: é o caso de arbustos como o carrasco (Quercus coccifera). Por seu turno os ventos, muito fortes, depositam partículas de sal -a chamada salsugem- sobre as folhagens, ameaçando-as permanentemente de dessecação por difusão osmótica. Para além disso, a própria pressão mecânica eólica molda os arbustos em contornos baixos e aerodinâmicos, ditos "pulviniformes" (literalmente, "em forma de almofada"), impedindo o surgimento de um verdadeiro estrato arbóreo. Por isso os carrascos (Quercus coccifera), as sabinas-das-praias (Juniperus turbinata) e as aroeiras (Pistacia lentiscus) têm aqui formas tão impecavelmente boleadas.

E se a vegetação destas arribas é já de si de baixa estatura, a sua mais notável planta é também, provavelmente, uma das mais discretas. Atende pelo nome tonitruante de Omphalodes kuzinskyanae. Não nos deixemos intimidar pela onomástica: trata-se de uma espécie inofensiva, de vida curta -um ano-, herbácea (raras vezes se alça acima de um palmo de altura). O seu nome científico, escrito num latim nada clássico, assustador à primeira audição, encerra alguma poesia. (Recordem-se que os nomes científicos são binomiais: a primeira palavra -nome genérico- designa o género, a segunda -epíteto específico- designa a espécie propriamente dita.) Omphalodes significa, em latim derivado do grego, umbigo. O botânico que primeiro descreveu o género para a ciência (Miller, durante o século XVIII), quis ver no formato invulgar do fruto a forma (sensual?) de um umbigo, quem sabe se da sua amada. Insólita ou não, o facto é que a designação foi aceite e perpetuada nas poucas dezenas de espécies do género Omphalodes que existem (das quais apenas três ocorrem em Portugal). Kuzinskyanae, palavra capaz de deslocar irremediavelmente o maxilar a qualquer disléxico, é uma derivação de Kuzinsky, apelido um botânico polaco que visitou o nosso país em companhia de Willkomm, o naturalista alemão que descobriu esta espécie em 1889. Este último nomeou a espécie em homenagem ao seu amigo e colega científico. É importante notar que qualquer semelhança comportamental de Willkomm com os naturistas germânicos da Praia do Meco é meramente conjectural.
Fotografias de José Romão
O Omphalodes kuzinskyanae (que ainda não recebeu nome vernáculo português) é uma espécie rara, quer no número de indivíduos, quer na distribuição geográfica, como também nos habitats onde vive. É muito provável que venha a extinguir-se. Ocorre apenas nalgumas localidades litorais da Galiza e, em Portugal, somente numa faixa que se estende da Praia do Abano ao Cabo da Roca; ainda assim, observa-se em pouquíssimos aglomerados, cada qual com poucas dezenas de indivíduos. (Presume-se que em tempos passados, numa das épocas cíclicas de arrefecimento climático, haja ocupado toda a faixa litoral desde a estremadura portuguesa até ao noroeste ibérico.) Habita em cascalhos, rochedos e areias litorais onde haja uma acumulação (ainda que ínfima) de detritos ricos em nitratos. Esta última característica (a de preferir meios ricos em nitratos, ditos ruderalizados) é comum a toda a família das boragináceas em que se filia.
Infelizmente para a causa ambientalista, o O. kuzinskyanae não é uma planta carismática, nem portentosa, nem sequer bizarra ao olhar. Há quem chegue a julgá-la feia. Mas quem conhece a sua condição, acha-a bonita porque a sabe rara: tem a beleza trágica de uma despedida. Quem a não conhece, nem é capaz de compreender que o belo é algo mais que as formas que iluminam a retina, não se há-de preocupar com a sua extinção.
(Omphalodes kuzinskyanae)
Fotografias de José Romão
Mas bonita, mesmo garrida, é a única espécie verdadeiramente endémica do cabo da Roca: a Armeria pseudoarmeria, também ela uma espécie dos rochedos e areias batidos pelo vento e salpicados pela salsugem. Os seus tufos de folhas largas (de até dois centímetros de largura, o que a distingue da sua vizinha A. welwitschii, de folhas com menos de quatro milímetros) coroam-se durante a Primavera com inflorescências esféricas e róseas no topo de longos caules de dois palmos, ou mais, de altura; e assim a charneca floresce em Março.

O nome Armeria não significa nada senão a própria flor: é o nome latino que os romanos lhe davam. Os portugueses chamam-lhe cravo-romano, apesar de não parecer um cravo nem haver em Roma (falamos da A. pseudoarmeria, porque há inúmeras espécies do género Armeria na península itálica). O epíteto pseudoarmeria, algo desconcertante, foi-lhe dado pelo botânico escocês Murray durante o século XIX.
(Armeria pseudoarmeria)
Fotografias de José Romão
Este cravo-romano é verdadeiramente exclusivo da região: as populações mais setentrionais crescem nas arribas da Praia da Samarra, poucos quilómetros a Norte; as populações mais meridionais encontram-se, precisamente, neste cabo. Ao contrário do Omphalodes kuzinkyanae, as populações de cravo-romano são numerosas, embora geograficamente muitíssimo restritas. E também ao contrário daquele, é pela beleza que corre risco: quando chega a época, as suas flores são avidamente colhidas pelos turistas.
Fotografias de José Romão