A capacidade de mergulhar, nadar e caminhar debaixo de água permite ao melro-d’água vencer as suas duras batalhas de procura de alimento, tornando este tímido habitante de rios e riachos de montanha um tesouro da avifauna Europeia. João Cosme | ||
O melro-d'água (Cinclus cinclus) é um habitante típico da alta e média montanha, preferindo cursos de água rápida com pedras expostas e cascalho. Este material emerso proporciona pousos preferenciais para a detecção, manuseamento e ingestão das presas. Frequenta regiões montanhosas, até 2500 metros de altitude, que se estendem desde a Europa Ocidental até à China e Sibéria e ainda no Norte de África. Trata-se de uma espécie sedentária (em alguns casos ocorrem movimentos de dispersão, particularmente no Inverno onde os cursos de água gelam) e pouco social, vivendo solitário ou aos pares. Quando as águas são batidas por correntes e redemoinhos, o fundo é rochoso e de baixa profundidade, a poluição inexistente e as margens dos cursos de água são constituídas por uma vegetação abundante, é provável a presença desta relíquia ornitológica. | ||
Durante a época de reprodução estas aves são muito territoriais, por isso escolhem, de preferência, locais propícios à nidificação e à sua alimentação, defendendo activamente o seu condado, expulsando outros intrusos. Embora o sistema mais comum seja monogâmico, por vezes, o mesmo macho percorre o território de mais de uma fêmea. Normalmente, a localização do ninho encontra-se em cavidades ou saliências de rochas, próximas do nível da água, sendo mais comum atrás das cascatas onde estão a salvo da predação. Por vezes, nidificam em estruturas humanas relacionadas com os cursos de água (moinhos e pontes). O ninho, em forma de bola, com um orifício dirigido para a água (fazendo lembrar o ninho de carriça), apresenta uma construção fabulosa provida de um corredor que sobe até à câmara de postura, utilizando musgos, ervas e folhas, o que torna o seu interior confortável e impermeável. Ambos os sexos ajudam na sua construção. A postura tem início em Março (variando, devido às condições climatéricas) e consiste entre 4 a 5 ovos, que são incubados pela fêmea, já que o macho, na altura da incubação, tem a árdua tarefa de alimentar a fêmea e defender o seu território. Entre 15 a 17 dias eclodem dos seus ovos os juvenis, que nascem cegos, indefesos e com pouca penugem. Permanecem no ninho aproximadamente 3 semanas durante as quais beneficiam dos cuidados dos progenitores (verifica-se que as presas capturadas, antes de serem entregues às crias, são sempre convenientemente lavadas). A aptidão dos juvenis para a natação é adquirida antes de iniciarem o primeiro voo. A coloração é mais homogénea e nela predominam os tons de cinzento e castanho, mesmo no peito. Quando já são capazes de se alimentar por si só, são expulsos pelos pais que iniciam uma nova postura (duas a três por ano). | ||
Ao submergir para capturar as suas presas, este Cinclídeo desafia todas as leis da flutuação. Esta capacidade resulta do facto de, quando se desloca de cabeça baixa contra a corrente, a pressão exercida pela água sobre o seu dorso inclinado permite manter esta ave junto ao leito do rio. Quando tal acontece, as aberturas nasais que possui no bico e as auditivas são tapadas por uma membrana protectora que lhe permite nadar e deslocar-se debaixo de água, utilizando as asas como remos e levantando com o auxílio do bico e das patas, as pedras em busca do seu manjar. Tal comportamento só é possível graças à secreção oleosa de uma grande quantidade de glândulas uropigiais, o que torna a sua plumagem impermeável. Uma equipa de biólogos da Faculdade de Ciências do Porto - Centro de Estudos de Ciência Animal (CECA-ICETA) realizaram um estudo sobre a comunidade de vertebrados aquáticos e ribeirinhos do Rio Paiva. Este estudo consistiu em avaliar o impacto provocado por uma possível barragem nas espécies ligadas ao meio fluvial deste magnífico e selvagem rio. Este apresenta uma rica biodiversidade e alberga espécies bastante raras, onde se inclui o melro-d’água, que encontra aqui todas as condições necessárias para a sua sobrevivência. O Rio Paiva é um afluente da margem esquerda do Rio Douro. Nasce na Serra de Leomil e desagua próximo de Castelo de Paiva. É um rio típico de montanha, de águas rápidas e com fundo rochoso. As suas margens, ainda bem conservadas, são constituídas por uma vegetação rica, diversificada e abundante, na qual predominam amieiros (Alnus glutinosa), freixos (Fraxinus angustifolia), salgueiros (Salix sp.), secundados por aveleiras (Corilus avelana), pilriteiros (Crataegus nosilis) e carvalho-roble (Quercus robur). Nuno Gomes, biólogo e responsável pelo trabalho de campo, adiantou que “o melro-d’água foi observado praticamente em toda a extensão da área de estudo, sendo provável que o rio Paiva tenha uma das maiores populações desta espécie no nosso País”. Na maioria dos rios portugueses que albergam esta ave aquática, apesar de existir uma grande escassez de estudos no nosso País, as suas populações são pequenas e fragmentadas, constituindo assim a bacia hidrográfica do Rio Paiva um dos poucos locais onde existe uma população abundante desta espécie ribeirinha. É bom que se diga que todas as modificações previstas para este deslumbrante rio, nomeadamente a construção de uma barragem, irão afectar certamente esta prodigiosa ave, que, devido às suas exigências ecológicas, é legítimo prever que as suas populações diminuirão drasticamente. | ||
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A poluição dos meios aquáticos e a alteração do seu ecossistema são sem dúvida a maior ameaça para esta espécie. A contaminação físico-química da água, com o consequente desaparecimento da fauna de invertebrados, a alteração no leito e a destruição do coberto vegetal dos cursos de água, afecta não só esta espécie, como toda a variedade de fauna e flora deste biótopo. A sensibilidade desta espécie à poluição é tal que chega a ser utilizada como indicador de poluição em muitos países. A construção de infra-estruturas humanas, nomeadamente barragens e mini-hídricas, modificam tanto a vegetação ribeirinha, como o nível dos cursos de água. A profundidade provocada por estas barreiras (aumento do nível de água), torna inacessível o seu fundo e provoca o empobrecimento dos macro invertebrados, já que alguns destes seres necessitam de água com bastante oxigenação. Também a substituição da vegetação ripícola por plantações agrícolas, reflorestação, sobretudo por monoculturas de espécies de crescimento rápido (eucaliptos e pinheiros), implica a redução do habitat necessário à sobrevivência desta espécie. A estratégia de conservação do melro-d’água passa obrigatoriamente pela preservação do seu ecossistema. Algumas das áreas prioritárias para a conservação desta relíquia ornitológica já estão inseridas nas áreas protegidas do território nacional ou fazem parte da Rede Natura 2000. Destas destacam-se o Parque Nacional da Peneda-Gerês e Parques Naturais de Montesinho, Alvão, Estrela, Açor e Malcata. No entanto, esta espécie nunca foi alvo de um plano concreto de conservação, correndo o risco de desaparecer de algumas áreas, as quais não são abrangidas por espaços protegidos. Um dos casos é a Serra do Caramulo, que infelizmente ficou esquecida e não está incluída na Rede Natura 2000. As populações aqui residentes encontram-se extremamente fragmentadas, sendo vítimas de várias ameaças já referidas anteriormente. Deste modo, é importante que outras áreas onde habitam melros-d’água fossem dotadas de um estatuto de protecção. No nosso País, o melro-d'água foi classificado com o estatuto de espécie vulnerável. Embora a sua situação populacional seja desconhecida, suspeita-se que se encontra em regressão. Para salvaguardar esta espécie e todo o seu ecossistema, não só são necessários estudos mais exaustivos, como a fiscalização dos meios fluviais onde sobrevivem os nossos últimos melros-d’água. | ||
O Parque Nacional da Peneda-Gerês é um dos locais privilegiados para a observação deste Cinclídeo. Mais para o interior, o nordeste transmontano, com as suas maravilhas naturais, constitui um autêntico paraíso para a ocorrência desta espécie. Rios de rara beleza, como o Sabor (que, com a construção da barragem vai perder uma das populações mais importantes de Portugal), Maçãs e Onor, oferecem biótopos intocáveis a esta simpática espécie. A sua distribuição estende-se mais para sul abrangendo as áreas da Serra do Alvão, Marão, Arada, Caramulo, Lousã, Açor e Malcata, bem como toda a área abrangida pelo Parque Natural da Serra da Estrela. Na vertente norte da Serra do Caramulo nasce o rio Couto que alberga um a dois casais nidificantes. Com uma vegetação abundante e bem conservada foi comprovada, neste curso fluvial, a nidificação desta espécie em finais de Fevereiro., tendo os juvenis sido observados em meados de Março. De salientar que no Atlas das Aves Nidificantes de Portugal continental (Rufino, R.) são referidas observações dos juvenis recém-nascidos desta espécie apenas no mês de Maio. Devido à falta de informação relativamente a esta espécie é provável que a sua distribuição seja mais ampla. Esperemos que o novo Atlas, cuja elaboração está em curso no nosso país, venha rectificar a situação. Em Espanha, a sua distribuição estende-se desde a Galiza até aos Pirinéus, passando pelos Montes Cantábricos. Mais para sul abrange as províncias de Aragão e Estremadura até à Serra Nevada. |
quinta-feira, 28 de junho de 2007
O Guerreiro da Água
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